sábado, 25 de maio de 2013

BATENDO NO LUGAR ERRADO: Rodolfo Vázquez, Zé Celso, Gerald Thomas e a falta de uma Política Cultural

Prólogo da tragédia
Nós da categoria teatral já iniciamos uma briga interna que configura-se em um tiro no pé. Nossa tragédia é gerada pela desinformação (inconsciência de si e do estado das coisas) de uns e outros (protagonistas, antagonistas ou figurantes deste enredo). Estamos falando um monte de frases de efeito que não tem embasamento nenhum na realidade das coisas. E pior ainda, usamos o mínimo de informação que temos (que não configura um conhecimento de fato) para batermos uns nos outros ao invés de ir bater no lugar certo: bater nas portas dos gabinetes políticos para exigir uma verdadeira Lei de Políticas Públicas para a Cultura em âmbito Federal.

Episódios dramáticos
Nessa última terça-feira a “Arena Facebook” foi o palco de duelos teatrais. Gerald Thomas  fez a seguinte colocação em sua página:

Ze Celso tem tudo: um mega espaço! É um "carro conversivel" da Lina Bo Bardi. Fez espetaculos que queria. Teve os longos elencos, usou dezenas de atores que trabalharam de graça (e amo o Zé ! don't get me wrong). Conseguiu MILHOES da Petrobras pra editar seus DVDs (que eu apresentei aqui em NY) e CERTAMENTE NAO PRECISA TIRAR $$$ DE GRUPOS NOVOS com grana destinada pelo projeto do FOMENTO porra! CHAMA "FOMENTO" justamente para incentivar aompanhias novas, grupos novos, ideias novas de pessoas que não tem e não sabem entrar nesse complexo sistema de proteccionismo! Vamos dar uma chance a ELES e ver sangue novo! (respondo a uma indignação do Rodolfo Garcia Vásques ! Sorry por discordar. Mas o Satyros merece muiti mais, ja que vcs montaram escola, etc! E não sugaram tudo pra vodka em nome do "evoé" que voou e sumiu!
Gerald Thomas (indignado!)

Segundo Thomas seu texto teria sido motivado por Rodolfo García Vázquez, diretor do grupo Os Satyros, que havia dito no Facebook em um momento melodramático:

1) Estou pensando nos mais de vinte editais que nós Satyros perdemos em pouco mais de um ano. Mais de vinte! 
2) Estou pensando no Zé Celso, que perdeu o Fomento! (José Celso, monumento da cultura brasileira, perdeu o Fomento!?!?!?! Como assim?!?!?! Vergonha alheia!!!)
3) Estou pensando nas pessoas que se vangloriam de fazer teses na Academia baseadas nos projetos (sim, nos textos escritos apenas,
 
nos papéis) e não nos fatos, na história, nas revoluções.
4) Estou pensando que para ser artista neste país temos que saber escrever teses de doutorado em projetos....
E chego à conclusão que se Picasso, Michelangelo, Oswald de Andrade, Shakespeare e Kantor vivessem hoje no Brasil; também passariam fome por não saberem escrever teses de livre-docência sobre suas obras nos editais.

Que tipo de artista estamos criando com essa cultura editalesca pequeno-burguesa?


Quando inquirido Zé Celso realizou algumas colocações publicadas no espaço eletrônico do O Globo [1] e em seu blog[2]. Assim que os textos foram postados no espaço digital não demorou muito para começar os compartilhamentos no Facebook. O que se seguiu foi um festival de espancamentos da categoria teatral, um batendo no outro por causa de preferências estéticas, por posicionamentos políticos e por ressentimentos em função de um sentimento de preterição por parte de uns. A discussão como sempre ficou no âmbito da “reinvenção da roda” e da “tentativa de achar um bode expiatório”. Infelizmente, mais uma vez, o problema gerador e sua complexidades não foram debatidos de forma aprofundada e os artistas de teatro aproveitaram a deixa para ferirem uns o ego dos outros.

Êxodo sem catarse
Para os desinformados o artigo primeiro da Lei de Fomento versa o seguinte: "(...) com o objetivo de apoiar a manutenção e criação de projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção teatral visando o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população ao mesmo." Ela esta então para processos “continuados de pesquisa e produção teatral” o que configura-se em algo bem amplo (importantíssimo esse caráter para uma Lei que ampara uma categoria), mas que deixa margens bem claras para quem pretende esse tipo de incentivo.

A palavra fomento vem do latim fomentare, que significa “dar calor, aquecer” e que é empregada em sua extensão no português como “promover o desenvolvimento de”. Portanto Fomento ao Teatro é “promover o desenvolvimento do teatro”. Vejamos que indo na raiz etmológica não existe nada que aponte para um programa de valorização de grupos novos ou que a defina como uma forma de manutenção de grupos consolidados. Ou seja, a Lei está voltada para o aquecimento do teatro, seja o grupo da idade que for desde que apresente um trabalho de pesquisa continuada de interesse público. Tanto é assim que o Engenho Teatral, grupo com uma história tão significativa quanto a do Oficina, foi contemplado em algumas das últimas edições do Fomento. 

Apresentar os acadêmicos como "bodes expiatórios" da culpa de alguns grupos não terem sido contemplados pelo Programa do Fomento é veicular uma mentira e desviar a atenção do verdadeiro foco da discussão. Basta dar uma olhada nas listas de contemplados nas últimas edições que perceberemos grupos de diversas origens e não só a acadêmica. E nem estou apontando a questão de que fazer teatro também é construir teoria, lembrando que "teatro" significa "lugar de onde se vê" e que tem a mesma origem etmológica de "teoria" que é o "olhar aprofundado sobre objeto de estudo". 

O fato é que o edital é pequeno frente ao tamanho do teatro que é realizado na cidade de São Paulo.

O que o Oficina e tantos outros grupos que estão ai na ativa ha muito tempo, com pesquisa, com trabalho de qualidade e com interesse público, precisam é de uma lei que garanta o subsídio e a continuidade de um "grupo estável". Há a ideia engavetada do Premio de Teatro Brasileiro que poderia ser uma alternativa para esse problema e para outros que a Lei de Fomento não resolve. Repito uma frase que usei num texto anterior: "O Fomento não mata a fome, ele engana a dor de barriga” [3]. Precisamos de programa que mantenha os grupos históricos e que possibilite grupos novos entrarem na história em parceria uns com outros e que isso seja bancado pela União e que seja tudo revertido para o público no fim das contas, configurando assim uma verdadeira Política de Cultura.

Outra coisa importante de saber, e que esse artigo primeiro já deixa bem claro, é que o contemplado tem que possibilitar "O melhor acesso da população" ao trabalho desenvolvido ou mantido. O que seria melhor acesso? Vamos pensar um pouco nessa questão complexa? melhor acesso gira em torno de valores (gratuidade e /ou preços populares, mas de preferência gratuidade visto que o Estado pré financiou), disponibilidade de ação cultural em seu entorno, no caso a cidade de São Paulo como um todo; garantir que o público teatral aumente significativamente, principalmente que passe a ser formado também por pessoas que nunca viram uma representação teatral anteriormente, e outras coisas deste tipo.

Antes de tudo creio que nós da categoria teatral deveríamos tentar entender o contexto que se apresenta, diagnosticar onde estão as suas contradições e fazer a diferença de fato. Lamentável uma briga como essa que fica só no "farinha pouca" e não discute política cultural de fato nem aponta soluções pragmáticas para o problema que os grupos artísticos estão vivendo hoje que é o desinteresse do poder estatal. O poder estatal só olha para nós quando é de interesse propagandista para ele. E ai? Vamos continuar brigando com as pessoas erradas? Já disse e irei repetir: temos que parar de ficar batendo uns nos outros ao invés de ir bater no lugar certo, bater nas portas dos gabinetes políticos para exigir uma verdadeira Lei de Políticas Públicas para a Cultura em âmbito Federal.







[1]  Fundador do teatro Oficina Zé Celso rebate críticas de Gerald  Thomas in: http://oglobo.globo.com/cultura/fundador-do-teatro-oficina-ze-celso-rebate-criticas-de-gerald-thomas-no-facebook-8454810 (publicado em 21/05/2013).
[2] Gerald Thomas está mal informado sobre o trabalho do Oficina in: http://blogdozecelso.wordpress.com/2013/05/22/a-bilis-de-gerald-thomas/ (publicado em 22/05/2013);  e Vá entender? Resposta a Gerald Thomas, que diz que nunca fui torturado in:http://blogdozecelso.wordpress.com/2013/05/23/eu-nao-fui-torturado-va-entender-resposta-a-gerald-thomas/ (publicado em 23/05/2013).
[3] A (des)cisão in: http://lugardeindignar.blogspot.com.br/2013/03/a-descisao.html (publicado em 23/03/2013)